segunda-feira, 14 de julho de 2008

SNS

Mensagem a Sexa. o Ex-Ministro da Saúde, Correia de Campos

Exmo. Senhor Ministro,
O governo tem vindo, através de V. Exa. a prosseguir uma reforma no SNS apregoada como defensora dos direitos e interesses dos beneficiários do sistema.
Essa reforma tem vindo a crescer com alguns dos nefastos resultados visíveis, mau grado o discurso, sempre optimista de V. Exa., assenta em número de utentes, actos médicos praticados, aqui e além, e em estatísticas.
Tendo em consideração que o discurso e a prática são coisas bem distintas aqui Lhe deixo o meu:

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Contributo para a avaliação do estado de saúde do SNS,
Ou
Como se pode morrer, estupidamente, no meu País

SINOPSE

Cerca de 17,00 horas foram necessárias para que um paciente, sofrendo de uma patologia potencial (e muitas vezes) fatal, desse entrada num bloco operatório onde a sua vida poderia ser salva.

2006 um dia qualquer, 10,30 h (manhã)

Caminho numa rua, a mão empunha já a chave do carro já ali estacionado.

Uma dor excruciante, intensa, brutal, avassaladora invade-me o peito.

Recolho a chave, encolho a mão e, com custo imenso percorro a meia dúzia de metros que me separam de uma esplanada onde me deixo abater sobre uma cadeira.

As pessoas em redor não notam o meu sofrimento, a dor que invade o corpo, paralisa o cérebro, e não deixa lugar para mais nada a não ser ela própria.

O pânico instala-se.
É desta, o coração está a trair-me.

Venço a dor, em puro reflexo, pego no telemóvel e peço à minha companheira, a essa hora no emprego, que peça socorro.

Conversa breve que a dor nem permite explicar-lhe bem o que passava.

Dois, três? Minutos depois uma chamada de retorno.

O auxílio vinha a caminho.
Aguardo sentindo a dor fluir e refluir, intensa, brutal.

Outra chamada.

Uma voz feminina diz-me ser do “112”.
A voz que soa áspera, ainda que não seja mais que profissional, inquisidora, admoesta-me por não a ter contactado em primeiro lugar preferindo ligar para os bombeiros locais.

A dor aperta, o cérebro estreita-se no sentir da dor, e a voz continua. Agora querendo respostas, exigindo respostas.

Como era a dor, onde era, o que sentia, como me chamava, que idade tinha, e a voz não parava de exigir o que não conseguia dar-lhe; respostas claras e rápidas.

A chegada da ambulância dos bombeiros locais pôs fim ao tormento.

Sou conduzido ao centro de saúde local.

@10,45/10,50 H. Sou examinado no centro de saúde local e mandado evacuar para o hospital regional mais próximo a cerca de 20Km.

@ 11,15/11,20 H. Se bem me recordo nem passo pela triagem e vou directo para o balcão.

Começa uma longa maratona de análises, RX, exames, medições de ritmos e parâmetros vitais, conferências entre internos.

A dor acalmou graças a alguns fármacos ministrados com soro.
A angústia, o medo acentuam-se.
A “coisa” não parecia fácil.
O diagnóstico claro, insofismável, tardava.
Os clínicos decidem que necessitam de uma ecografia.
O hospital regional não conseguia, não tinha técnicos, ou meios, ou o que fosse para àquela hora (cerca das 14,00 h) fazer o exame requerido.

@ 16,30 H. Sou enviado para o exterior, para uma unidade privada, para realizar a ecografia pedida.
Aguardo pela minha vez e sou mandado de volta ao hospital.
@ 17,30? H. Mais conferências, mais exames.
A suspeita dos médicos está mais sustentada, mas eu não sei de que se trata e a angústia aumenta.
Minha companheira já tinha estado comigo, estava na sala de espera, mas não sabia se voltaria a ver minhas filhas, minha mãe.
@ 17,00 H. A equipa clínica decide que não tem meios para me valer e enviam-me para o hospital da minha área de residência em Lisboa, o S.F.Xavier.
Noite fechada a caminho do hospital, com uma médica e um enfermeiro.
A dor adormeceu. Resta o medo. As vibrações da estrada sobem directas para a maca e incomodam.
A viagem nunca mais acaba.
Pelo caminho falo com minhas filhas, procuro que se não assustem.
Falo com a minha companheira.
Peço que não alarmem a minha mãe, já velinha e que não lhe digam nada.
Já perdera uma filha e queria poupá-la o mais possível.
@ 20? 20,30? H. Finalmente o S.F.X. De novo passo directo para o balcão de homens.
A equipa interroga-me. E, de novo, as analises, e uma, agora, completa bateria de exames, que passam por uma TAC.
A equipa chegou a um veredicto e informa-me; Aneurisma dessecante da aorta.
Patologia bastas vezes fatal se não socorrida em tempo útil.
O hospital não estava em condições de proceder à, cada minuto mais urgente cirurgia, e procura um hospital com disponibilidade.
Aparece uma possibilidade; o Hospital da Cruz Vermelha.
@ 24,00 H. No Hospital da Cruz Vermelha são convocados cirurgiões e equipa.
@ 4,00 H. Entro finalmente no bloco operatório e os cirurgiões dão início ao procedimento que me salva a vida.
Questões
De que está o Sr. Ministro a falar quando, encerrando SAPS, diz que o objectivo é concentrar meios técnicos e humanos em hospitais capazes de acolher em condições satisfatórias os que para lá são conduzidos, quando se vê que um
hospital regional não tem condições para realizar uma ecografia, não dispõe de TAC, não falando já em RM?

Que política é esta em que os profissionais de saúde não têm “traquejo” bastante, para, apesar de toda a sua abnegação e esforço, detectarem precocemente a incapacidade da unidade para tratamento da patologia em presença e promoverem a urgente evacuação.

Que política é esta onde perante a suspeita, quase certeza, da gravidade do quadro um cidadão faz mais de 100 km por estrada para chegar a um hospital?

Que política é esta onde os profissionais de origem e os de destino não conferenciam entre si antes de tomarem a decisão sobre que unidade deverá acolher o paciente, encurtando horas preciosas para o auxílio?

Bombarral, MMVII.I.IXX
A Nau Catrineta

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